I – INTRODUÇÃO
Os meteoritos são amostras geológicas não rotuladas de astros do sistema solar
formados juntamente com a Terra, 4,6 bilhões de anos atrás. Eles trazem consigo dados
esclarecedores para os maiores enigmas da ciência, tais como as condições que vigoravam
durante a formação do sistema solar, e sobre a natureza e composição dos asteróides,
disponibilizando assim algumas das informações mais diretas e detalhadas dos processos
que ocorreram nos primeiros momentos da nossa história, proporcionando informações
petrográficas, geoquímicas e geocronológicas de grande importância para ampliação do
conhecimento científico sobre o processo de acresção que deu origem aos planetas e
asteróides, permitindo estudar porções desses astros, inacessíveis a outros métodos.
Os meteoritos podem ser basicamente de dois tipos: pétreos e metálicos. No primeiro
grupo incluem-se os condritos e acondritos e no segundo, pontificam os férreos e os férreospétreos
ou mistos.
Acredita-se que os meteoritos férreos representam com fidelidade regiões do núcleo da
Terra, situado a 6.480 km da superfície e que os acondritos são fragmentos oriundos do
manto de astros que se fragmentaram.
Do total de 57 (cinqüenta e sete) meteoritos coletados no Brasil, cinco foram achados
na Bahia. Estas cinco massas de material extraterrestre têm representantes dos três tipos
básicos da classificação estrutural de meteoritos: pétreo (meteorito Rio do Pires), férreo
(meteoritos Bendegó, Palmas de Monte Alto e Vitória da Conquista) e férreo-pétreo
(meteorito Quijingue). O maior deles, denominado Bendegó, objeto desta dissertação de
mestrado, é uma massa de Fe-Ni com 5.360 kg, medindo 2,15m x 1,50m x 0,66m, tendo sito
encontrado em 1784, na região de Monte Santo/Uauá, no tempo do Brasil Colônia.
Atualmente o meteorito Bendegó encontra-se exposto no Museu Nacional, Rio de Janeiro,
para onde foi transportado em 1888.
Segundo o banco de dados mantido pela Meteoritical Society, organização
internacional responsável pelo registro e nomenclatura dos meteoritos, há mais de 600
(seiscentos) meteoritos férreos distribuídos pelos 14 (quatorze) grupos da classificação
proposta por Wasson (1974). O meteorito Bendegó integra o grupo IC dos meteoritos
férreos, o qual conta com apenas 11 (onze) espécimes.
As últimas análises químicas realizadas no meteorito Bendegó foram publicados na
década de 1970. No campo da geoquímica isotópica os últimos trabalhos datam de 1978
(Voshage e Feldman), 1999 (Lavielle et al), e mais recentemente o estudo de Schertén et al.
(2006). Desde então, o desenvolvimento das técnicas analíticas para estudos petrográficos e
geoquímicos foi muito expressivo, notadamente em relação à utilização de novos
equipamentos com maior grau de sensibilidade, permitindo dosar quantidades diminutas de
elementos cuja concentração em meteoritos é muito baixa a exemplo da Ionização Termal
Negativa (Cook et al. 1991) aplicada para medir o conteúdo de Re e Os em meteoritos
metálicos.
I.1 MOTIVAÇÃO PARA ESTUDO DO TEMA
Quando criança, vivendo no município de Itiúba, Bahia, distante 77 km da cidade de
Monte Santo, e 112 do local onde o meteorito Bendegó foi achado, o autor ouviu muitas
conversas e histórias sobre uma enorme “pedra encantada” que fora levada para o Rio de
Janeiro no final do reinado de D. Pedro II (1888). Para comprovar esse fato, ainda
adolescente ele visitou o marco ornado com placas de bronze, que foi erigido próximo à
estação ferroviária do povoado de Jacurici, local de embarque do meteorito para Salvador.
Esta história empolgava porque, segundo a lenda, a “pedra” não queria de forma alguma
deixar o sertão baiano, e sua remoção forçada foi, em grande parte, a responsável pela
penúria dos habitantes locais na sua labuta diária para retirar da terra árida o sustento da
família e dos animais de criação.
O primeiro contato do autor com a “Pedra do Bendegó”, como o meteorito é chamado
pelos sertanejos, ocorreu em 1988 quando visitou o Museu Nacional no Rio de Janeiro com o
objetivo de fotografar esse visitante espacial. Teve então a oportunidade de apreciar as
ciclópicas dimensões do meteorito, seu formato irregular, e sua fria superfície revestida por
uma crosta negra brilhante, que despertaram recordações da infância e um firme propósito
de desmistificar a lenda da “Pedra do Bendegó”, trazendo à luz fatos científicos e históricos
sobre o achado, o transporte, a origem, e a composição química daquele corpo celeste que
despencou do céu sobre o semi-árido da Bahia.
Em 30 de outubro de 1990 o jornal A Tarde, sediado em Salvador, publicou o primeiro
artigo de sua autoria (Anexo 1.1) com informações fidedignas sobre a remoção do meteorito
para o Rio de Janeiro. Cinco anos depois foi publicado um livro, o segundo trabalho de sua
autoria, intitulado “Os Meteoritos e a História do Bendegó” (Carvalho 1995), onde são
abordados, na primeira parte, os detalhes da expedição de 1887 e, na segunda, fornece
explicações sobre o “que é um meteorito”, “como reconhecer”, “para que serve”, “como
achar”, “características exclusivas”, “origens e classificação”.
O próximo passo nessa jornada foi buscar a formação acadêmica propícia à obtenção
de conhecimentos relacionados a metodologias, análises, equipamentos e laboratórios
destinados ao estudo científico dos meteoritos apresentando, em 2007, proposta para
desenvolver, no Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, este trabalho de
mestrado, cujo tema principal é o meteorito Bendegó, haja vista ser o maior e mais
conhecido exemplar da coleção brasileira, e servir bem ao propósito de tornar a ciência
meteorítica mais divulgada na comunidade geológica do Brasil.
I.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O METEORITO BENDEGÓ
De acordo com manuscritos históricos, o meteorito Bendegó foi achado em 1784,
provavelmente no mês de junho, conforme ofício dirigido pelo governador da Bahia, D.
Rodrigo José de Menezes, ao Secretário de Estado da Marinha e do Ultramar, Martinho de
Mello e Castro, que determinou sua imediata remoção para Salvador a fim de ser enviado a
Portugal (Anexos 2.1 e 2.2).
Entre 1784 e 1787, pelo menos três tentativas de transporte da massa de ferro, como
o meteorito era conhecido na época, não lograram sucesso (Anexos 2.3 a 2.5), haja vista
seu avantajado peso e dimensões que permitiram apenas deslocá-lo cerca de 200m, do local
do achado até o leito do Rio Bendegó, onde permaneceu por 103 anos aguardando remoção.
Nesta época, a meteorítica ainda não tinha se estabelecido como ciência e, a maioria
dos cientistas não acreditava na existência de rochas vindas do espaço. As perspectivas
levantadas quando da descoberta do Bendegó sugeriam a existência de uma valiosa jazida
de minério de ferro. Tais suspeitas foram descartadas pelo Capitão-Mór do Itapicuru,
Bernardo Carvalho da Cunha, encarregado da remoção do meteorito que não encontrou
quaisquer indícios de mineralização de ferro na área do achado, classificando a massa como
“um aborto da Natureza” haja vista ser completamente estranha à geologia local (Cunha
1784, Anexo 2.2).
Em 1811 o estranho achado foi reconhecido como um provável meteorito através de
um comunicado à Sociedade Real de Londres escrito pelo cidadão inglês Aristides Franklin
Mornay, que estimou seu peso em 14 mil libras (6.350 kg), e confirmou o veredicto de
Carvalho da Cunha sobre a inexistência de jazidas de ferro na região (Mornay 1816). No leito
do Rio Bendegó, Mornay extraiu amostras do meteorito que enviou para análises em
Londres, cujos resultados foram publicados em 1816 (Wollaston 1816).
Em 1819, o meteorito foi visitado por Spix e Martius, naturalistas austríacos em viagem
de estudos pelo Brasil, os quais enviaram amostras para Munique (Lahmeyer 1938). É
importante destacar que no início do século XIX os estudos dos meteoritos recebiam cada
vez mais atenção das instituições européias, tendo o Bendegó contribuído para se
estabelecer a natureza, composição e estruturas petrográficas dos meteoritos férreos. Este
interesse crescente motivou D. Pedro II a ordenar a remoção do meteorito para a sede da
Corte.
Em 15 de junho de 1888 o Bendegó chegou ao Rio de Janeiro, sendo recebido
pessoalmente pela Princesa Isabel, cientistas, e nobres do II Império do Brasil. Machado de
Assis o homenageou com uma crônica (Gledson 1990) publicada na Gazeta de Notícias em
27/05/1888, no Rio de Janeiro, descrevendo a reunião da Câmara de Vereadores da Bahia
onde se discutiu o embargo da saída do meteorito da província da Bahia (Anexos 2.6 e 2.7).
Apesar do protesto de dois vereadores, o meteorito seguiu para o Rio de Janeiro. Pelo
menos três polcas, estilo de música popular da época, foram compostas naquele ano tendo o
Bendegó como tema central (Anexo 2.8), e encenadas em teatros de revista.
Em seguida, um lado do meteorito foi serrado no Arsenal de Marinha, extraindo-se
uma fatia de cerca de 60 kg, subdividida em muitas amostras, e enviadas para pelo menos
29 instituições em todo o mundo. Este corte objetivou também expor a parte interna do
meteorito para realização de estudos estruturais, a exemplo do trabalho realizado por Orville
Derby, diretor da seção de geologia do Museu Nacional (Derby 1896).
Importante registrar o papel político-social do meteorito Bendegó à época de seu
traslado da Bahia para o Rio de Janeiro e subseqüentes ações dos dirigentes do Museu
Nacional em relação a esse visitante do espaço. Silva (2010) estudou o meteorito sob o
“conceito de discurso desenvolvido por Michel Foucault para analisar as formações
discursivas” relacionadas a “O Pedaço de outro mundo que caíu na Terra”, título de sua
dissertação de mestrado na área de Museologia, onde apresenta interessantes conjunturas
sobre a importância do político-social do meteorito, a exemplo do espaço físico que ele
ocupou em diferentes tempos no Museu Nacional e os trâmites burocráticos para construção
do pedestal especial que suporta essa massa extraterrestre.
Na década de 1970 o Bendegó integrou o elenco de meteoritos férreos estudados por
Edward Scott e John Wasson, resultando em sua classificação química como um dos onze
membros do Grupo IC (Scott et Wasson 1976, Scott 1977).
I.3 OBJETIVOS
Esta dissertação de mestrado visa fazer uma retrospectiva histórica do achado,
transporte e estudos científicos desenvolvidos sobre o meteorito Bendegó, apresentar
resultados de novos estudos petrográficos e geoquímicos, caracterizar geologicamente a
área onde essa massa de Fe-Ni foi achada, e avaliar possíveis efeitos de sua queda sobre as
rochas do local do achado localizado no Núcleo Serrinha.
I.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Tendo o meteorito Bendegó como foco principal, esta dissertação de mestrado
apresenta os fundamentos da meteorítica, uma ciência que se iniciou no final do século
XVIII, tomou impulso nas primeiras décadas do século XX e se consolidou com o advento do
programa espacial desenvolvido pelos Estados Unidos e União Soviética a partir de 1950.
Ela está estruturada em 7 (sete) capítulos, e inclui um total de 18 (dezoito) figuras, 13
(treze) tabelas e 3 (três) anexos.
O
capítulo I traz a introdução ao tema, a motivação para este estudo e um breve
histórico sobre meteorito Bendegó, além de esclarecer o objetivo desta pesquisa e como o
trabalho está estruturado.
O
capítulo II discorre sobre a importância científica dos meteoritos, apresentando os
conceitos e definições referentes a planeta, planeta anão, meteoro, meteoróide, bólido e
meteorito, adotados pela União Astronômica Internacional e pela Organização Internacional
de Meteoros. Em seguida aborda-se a evolução da temática ao longo da história,
apresentando fatos e narrativas sobre importantes meteoritos que influenciaram o
pensamento de monarcas e profetas no mundo antigo e outras rochas espaciais que
marcaram época como objeto de livros e artigos que tentaram explicar cientificamente o
inverossímil fenômeno de rochas que caíam do céu e o achado de massas de ferro e níquel
metálicos de alta pureza. Na seqüência demonstram-se os efeitos da passagem destes
corpos pela atmosfera terrestre, e são apresentados os principais sistemas estruturais e
químicos para classificar meteoritos, exemplificando-os através de uma relação e mapa de
localização dos 57 exemplares brasileiros. Na classificação histórica e atual destas rochas, é
dado destaque ao grupo dos férreos, no qual se enquadra o Bendegó.
O
capítulo III explica a metodologia aplicada no desenvolver deste trabalho, sendo
caracterizadas as missões de campo e visitas de estudos, bem como as amostras, métodos,
equipamentos, laboratórios e técnicas utilizados para estudar o meteorito Bendegó e a área
onde foi achado.
Sob o formato de um artigo submetido à Revista Brasileira de Geociências, o
Capítulo
IV resume os resultados desta pesquisa ao descrever e discutir as características físicas,
estruturais e químicas do meteorito Bendegó, caracterizando geologicamente o local do seu
achado e apresentando um retrospecto sobre a descoberta desse visitante extraterrestre e
seu traslado da Bahia para o Rio de Janeiro, demonstrando a importância que ele teve para
ajudar a meteorítica a se estabelecer como ciência.
O
capítulo V discorre sucintamente sobre os sistemas e métodos
isotópicos/geocronológicos aplicáveis a meteoritos, apresentando as idades de formação, de
exposição e terrestre do Bendegó.
O
capítulo VI reúne as considerações finais deste trabalho. Aqui se discute a
consistência dos dois métodos analíticos (ICP-MS e INAA) utilizados para determinação das
concentrações químicas do meteorito Bendegó, e sugere-se a necessidade de realizar
trabalhos geofísicos no local do achado para determinar os reais efeitos do impacto do
meteorito Bendegó, uma vez que as análises petrográficas e químicas realizadas em
amostras do meteorito e de rochas coletadas na área não foram conclusivas sobre crateras
que poderiam ter sido abertas pelo impacto.
O
capitulo VII apresenta as referências bibliográficas consultadas ao longo desta
pesquisa.
Nos
Anexos estão disponibilizados
(i) artigos publicados pelo autor em jornais e
revistas,
(ii) cópias dos documentos históricos, e
(iii) artigos apresentados em congressos e
encontros ligados à temática.